segunda-feira, agosto 15, 2005

O ano com mais mortos das últimas dusa décadas

Os meses de Janeiro a Agosto são já suficientes para colocar 2005 entre os anos mais negros para os bombeiros portugueses, sendo necessário recuar duas décadas para encontrar um saldo tão negativo em número de vítimas mortais - oito até agora - e feridos graves no combate directo ou indirecto a incêndios florestais.

Só ontem, mais seis voluntários ficaram feridos. E o Verão ainda vai a meio.

Em 1985 e 1986, registaram-se dois acidentes muito graves, com respectivamente 14 e 12 mortos, em Armamar e Anadia. Este ano, apenas num caso se verificaram várias mortes (a 28 de Fevereiro, em Mortágua), mas em contrapartida multiplicam-se acidentes com vítimas, ainda que isolados.

Desconhecimento

Xavier Viegas, investigador que dirige o Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, na dependência da Universidade de Coimbra, explica que as condições de extrema seca propiciam mais acidentes graves, mas a este factor há que somar um "grande desconhecimento" sobre o comportamento do fogo.

O docente é um dos três elementos que integra a comissão interdisciplinar criada, na sequência do acidente de Mortágua, para estudar o chamado efeito-chaminé. Um fenómeno que ocorre em zonas de declive intenso, em que o fogo cria rajadas de vento muito forte responsáveis por uma aceleração repentina das chamas. Fenómeno que foi o denominador comum dos casos de Mortágua, Vila Real (anteontem) ou Guadalajara, Espanha, em que 11 pessoas morreram.

"Apesar dos bombeiros falarem de impresibilidade quando se referem a este tipo de acidentes, sabe-se que o fenómeno é previsível. O momento em que ocorre é que não está ainda explicado e é necessário avançar na investigação do comportamento do fogo", explica Xavier Viegas, que alerta para a importância da formação intensiva dos bombeiros nesta matéria.

Enquanto os resultados do trabalho da comissão não estão concluídos, o docente universitário - que colaborou também na investigação do acidente de Guadalajara - prefere não levantar o véu, mas esclarece estarem a ser dados alguns passos, nomeadamente no que diz respeito às circunstâncias de propagação. "É normal ouvirmos os bombeiros falarem numa mudança súbita de vento ou em rajadas fortes, mas a força do vento é gerada pelo próprio incêndio", salienta.

Com a seca que se vive este ano, há ignição de todo o combustível, que origina uma intensidade superior das chamas e maior velocidade de propagação, explica igualmente José Miguel Cardoso Pereira, professor do Instituto Superior de Agronomia.

Factores que devem ser tidos em conta na avaliação de cada fogo florestal e que explicam, em parte, a violência das ocorrências dos últimos três anos, como salienta Duarte Caldeira, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses. "O número preocupante de bombeiros mortos ou feridos em combate prova os riscos cada vez maiores associados ao fogo florestal", sustenta. Na sua opinião, está actualmente a pagar-se a factura por anos de abandono e desordenamento florestal. "A situação tenderá a agravar-se por algum tempo, mesmo com medidas de retorno", afirma.

Emoção e pressão social fazem arriscar demasiado

Os bombeiros arriscam, por vezes, de mais no combate às chamas. A opinião é do investigador Xavier Viegas, que coloca entre as explicações a necessidade quase cega de defender populações em risco.

Duarte Caldeira, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, concorda que factores emocionais devem ser tidos em conta "A estrutura voluntária tem um grau de ligação afectiva com o meio local muito forte, particularmente em meios rurais, em que todos se conhecem".

Em cenário de emergência, o voluntário tende a assumir uma certa pressão para fazer face ao "inimigo", mesmo que de uma forma directa essa exigência não lhe seja colocada pela população.

Por outro lado, nem sempre a experiência é sinónimo de maior protecção contra as chamas, porque a sensação de domínio do sinistro leva o bombeiro a arriscar mais.

O dirigente da Liga alerta ainda para outro factor essencial quando se analisam acidentes com vítimas mortais o uso de equipamento de protecção individual adequado. No último acidente mortal registado este ano, anteontem, a vítima, da corporação de Santa Marta de Penaguião, morreu asfixiada e não carbonizada. "O equipamento não teria, neste caso, grande importância, mas em muitas situações faz a diferença", salienta Duarte Caldeira, recordando que exemplos como o do bombeiro que morreu em Góis poderiam ter um desfecho bem diferente.

Nota: Jornal de Noticias, 15 de Agosto de 2005

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